quarta-feira, 11 de julho de 2012

O "MIOLO"

O TRADICIONAL NA CENA CONTEMPORÂNEA E O MIOLO DA ESTÓRIA

A variedade e diversidade de uma mesma manifestação cultural presente em quase todo território nacional gerou a necessidade de pesquisar os elementos dramáticos do auto do bumba meu boi do Maranhão e de outros estados brasileiros, no intuito de identificar e sistematizar suas possíveis contribuições para o trabalho de preparação física e performática do ator a partir do estudo da performance dos brincantes. 
O foco do trabalho foi centralizado nas matrizes de movimentação das principais personagens do auto, seus passos, e a aplicabilidade dessa corporeidade em um processo de criação teatral, iniciando-se a pesquisa O Tradicional na Cena Contemporânea.

 

A idéia inicial desta montagem aconteceu em 29 de junho de 2009 enquanto participávamos da tradicional boiada no largo de São Pedro, onde dezenas de grupos de bumba meu boi brincavam em homenagem ao santo. Em meio à multidão que dançava, batucava, rezava e bebia, vimos a chegada de um novo boi, sotaque da baixada, e uma cena impressionante: o miolo do boi subia lentamente de joelhos os 47 degraus da igreja com seu boizinho nas costas num choro incontrolável, até chegar aos pés do santo no interior da igreja. Desde então ficamos a questionar: quem é esse anônimo que faz o boi? Qual sua estória, seu sonho, sua vida? Que dívida com o santo ele esteve a pagar naquela boiada?


Sabemos que muitos são os brincantes anônimos que dão vida às personagens do bumba meu boi: caboclos reais, cazumbas, caaporas, Chico, Catirina. Porém todos, ainda que mascarados ou paramentados, são personagens. Ao contrário, o brincante que atua debaixo do boi, não é personagem. Representa um papel na brincadeira unicamente instrumental, onde a sua função é dá vida à personagem maior, o boi. Enquanto o posto de Amo, mandante, é a função mais prestigiada e mais bem remunerada do grupo, inversamente o posto de miolo é a função menos prestigiada e remunerada, apesar de realizar o trabalho mais extenuante da noitada.


Por conta disso, desde a idéia inicial na igreja de São Pedro, queríamos falar do bumba meu boi sem que fosse preciso repetir a história original de Chico e Catirina, responsáveis pelo roubo e abatimento do boi. Para isso já existem centenas de grupos de bumba meu boi e alguns textos teatrais e literários que recontam essa história de morte e ressurreição. A proposta sempre foi apresentar o boi sob uma nova perspectiva e para isso, escolhemos o miolo como protagonista do enredo pela importância deste ator/manipulador para a atuação do boi. A partir destas inquietações iniciamos a pesquisa cênica e elaboramos o processo de montagem desenvolvido em 04 (quatro) etapas:
1 - Pesquisa bibliográfica e entrevista com brincantes
2 – Treinamento físico e energético com ritmos e sotaques do bumba meu boi.
3 – Elaboração de cenas e personagens a partir de matrizes desenvolvidas em processo de mímesis corpórea e codificação física de movimentos dos personagens do Bumba meu boi.
4 – Ensaios e apresentações


 Após um ano de atividades esse processo resultou na montagem do espetáculo teatral solo na categoria drama “O Miolo da Estória” e o workshop “O Ator Brincante nos Passos do Boi”. A dramaturgia foi elaborada com base em referencial teórico de importantes pesquisadores da cultura popular, na observação e depoimento de brincantes, em especial, o brincante que manipula o boi, ou seja, o miolo do boi. Foi estruturada de acordo com o roteiro principal do auto formado por Guarnicê (preparação dos brincantes); Lá vai (aviso ao dono da casa de que o boi vai brincar); Licença (toada de permissão); Urrou (sacrifício e ressurreição do boi); despedida (fim da apresentação). A pesquisa do movimento experimentou as variedades e possibilidades rítmicas como preparação física e energética do processo de construção de espetáculo teatral, formalizando o bailado de personagens mais importantes em cada sotaque. O aprendizado da dança permitiu a criação de personagens e cenas fundamentadas na codificação e (re) organização da movimentação do brincante, apoiada nas referências de antropologia teatral e mimésis corpórea, dando origem ao desenvolvimento de um treinamento específico para a montagem.

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